
Milhares de fios de náilon suspensos, fixados numa área de 5 m² disposta no teto, compõem a misteriosa Ondas Paradas de Probabilidade (1969) da artista suíça, radicada brasileira, Mira Schendel. A uma altura de 3m do chão, os fios se estendem por 30cm a mais do que o esperado, deixando uma delicada curva quando tocam o solo. A iluminação lateral é fria, mas a luz ambiente é que ganha especial relevância, quando refletida, a cada hora do dia, em pontos diferentes desta chuva silenciosa. Na parede, um salmo do Antigo Testamento acompanha a obra, como um enigma a ser desvendado:
“E ele falou, saia e suba nesta montanha perante a face do Senhor. Eis que o
Senhor passou. E um grande e forte vento que quebrava as montanhas e rasgava
as rochas precedia o Senhor. Mas o Senhor não estava no vento. Mas do vento
veio um terremoto. Mas o Senhor não estava no terremoto. E depois do terremoto
veio um fogo. Mas o Senhor não estava no fogo. E depois do fogo veio a voz de
um suave sussurrar” – do Velho Testamento, Reis I

Ondas Paradas… foi criada em razão da 10ª Bienal (1969), popularmente conhecida como a “Bienal do Boicote”. Neste contexto, a obra é compreendida até hoje por seu potencial político. Em tempos de turbulência, o silêncio público refletia a negação de acontecimentos que não cessavam durante o regime militar, como a violência do Estado contra a liberdade e os direitos civis. Restava ao povo sussurrar, como faria a própria Mira, no mesmo ano, em carta escrita a Jean Gebser, publicada pela editora Cosac Naify:
“[…] Fui convidada a participar de nossa décima Bienal. O regulamento mudou. Vinte e cinco brasileiros foram convidados desta vez. Outros 25 serão admitidos por um júri. E aquilo que em Veneza e adjacências já é coisa do passado é novidade por aqui. Holanda, França e Suécia aparentemente se recusaram a participar. Também se recusaram alguns dos 25 brasileiros convidados. Por motivos (num primeiro plano!) também válidos. Perspectivamente estou de acordo com eles. Aperspectivamente, porém, tenho que aceitar o convite. Aperspectivamente tem “valor quântico” também no “primeiro plano”. A transparência. O modelo será montado no próprio local. No tocante ao dinheiro, custará menos de 10 francos suíços. E também não me importo se o destruírem. Depende da possibilidade de ver-se nele algo ou nada se perceber. De modo que se alguém deixar intactos esses finos fios de náilon, cortá-los com raiva ou arrancá-los, no fundo (plano de fundo!), isso não teria a menor importância. Divirto-me com isso”.

Registro da montagem da mostra 30 x Bienal no Pavilhão Bienal. .São Paulo, 04/09/2013. .© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo
Sobre a estética da obra, Mira escreveu em seu diário que trata-se do ato de dar visibilidade ao invisível. Uma espécie de ‘silêncio visual’ que aponta para a libertação. Explica a pesquisadora Débora Rosa, atual supervisora do Educativo Bienal, que é neste momento que o título do trabalho toma força: “Remetendo à Física Quântica que, entre tantas teorias, escolhe a do físico Fred Alan Wolf: ‘a realidade, como você a conhece, é formada por ondas de probabilidade organizadas pela consciência humana, ou seja, você observa, as coisas acontecem, você não observa, elas não acontecem”.
Em sua percepção, assim é a obra de Mira: uma chuva que continua parada, a acontecer, independente de nossos olhares: “Entre todos os elementos, somos convocados a experienciar, com a liberdade do que queremos e podemos ver, com a crença que nos cabe. Como na passagem bíblica de Elias que, após ventanias, terremotos e fogo, ouve um suave sussurrar. Por isso o náilon é matéria fina, porém resistente, capaz de erguer um peixe, mas transparente, possibilitando ver através” – completa Débora.

Registro da visitação da mostra 30 x Bienal no Pavilhão Bienal. .São Paulo, 01/10/2013. .© Leo Eloy / Fundação Bienal de São Paulo.
Cientes que estamos da elegância crítica de Ondas Paradas, vale ressaltar que grande parte da produção de Schendel, judia exilada durante o regime nazista, abarca universos delicados, a tentativa de dizer muito em gestos pequenos, usando de materiais finos e transparentes – o que a curadora Stela Barbieri chamaria de “sutileza da impermanência”.
Ondas Paradas de Probabilidade pode ser vista 30 × Bienal, até 8 de dezembro, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque do Ibirapuera.
|imagens: ©Leo Eloy e Pedro Ivo Trasferetti
|agradecimentos: Stela Barbieri e Débora Rosa